quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Perfil


“Eu sou a protagonista da minha vida”
Aos trancos e barrancos, ela é a personagem de um drama vivido por muitos anos e superado pela felicidade


Por Kátia Lemos


Canta, dança, sem parar, sobe, desce como quiser, sonhar, viver, como eu, pula grita, oh oh, não segure muito teus instintos, porque isto não é natural, saluceie para acordar um grito forte, quando queira gritar, é saudável, relaxante, recupera, e faz bem a cabeça, por isso canta, dança, grita, oh oh. Vá em frente entre numa boa, porque a vida é uma festa, não controle, não domine, não modele, tudo isso faz muito mal, deixe que a mente se relaxa, faça o que mandar o coração por isso canta, dança, grita, oh oh.
Chega de fugir de se esconder, e de deixar a vida pra depois, como se tivesse o tempo inteiro, o tempo corre nada vai te esperar, entra de cabeça nos seus sonhos, só assim você vai ser feliz, por isso canta, dança, grita, oh oh.
(“Não se reprima” - Menudos
)



A salvação

Estatura baixa, grisalho, roupa branca, face meio nebulosa, cheio de segredos, era Rubens médico de plantão do hospital do rim, informando à família sobre a nova cirurgia de Dona Lola, mãe de Rita, 10. Ela não quis a internação, brigou, esperneou, mais não teve opção, era sua única chance de sobreviver, seu esposo assinou a autorização e desde então se sentiu culpado com as conseqüências, Dona Lola jamais voltaria a andar sozinha.
A paralisia de sua mãe fez Rita freqüentar muitas vezes a sala de espera do hospital, neste meio tempo a televisão era sua descontração, cinco meninos entre 15 e 20 anos eram sua fascinação, naquele momento a coisa mais importante de sua vida, um amor inexplicável, exagerado, compulsivo.
Os discos e álbum de figurinhas estão guardados com segurança no fundo do armário como um troféu, uma relíquia conquistada diante de tantos desafios, com muito esforço. Seu lado agressivo foi descoberto quando a capa de um dos discos foi rasgada por sua mãe em uma briga, foi preciso três pessoas para impedir Rita de agredi-lá, seu acesso de loucura foi algo jamais visto pela família, a obsessão pelo grupo Menudos estava no auge.
Meses depois conseguiu realizar o sonho de assistir o show dos ídolos. Aconteceu em uma noite chuvosa, gerando um verdadeiro dilúvio no momento da apresentação. Rita foi pisoteada, perdeu os óculos e ficou toda molhada, mesmo com medo de apanhar quando chegasse em casa, foi à noite mais feliz da sua vida até aquele dia. Porque no dia seguinte o castigo dado por sua mãe foi usar um óculos horrível para ir à escola e ganhado assim o apelido de Bat Girl.
Momentos inesquecíveis que contribuíram para que Rita agora com 15 anos não desabasse diante da doença de sua mãe, novamente internada. Seu fanatismo levou sua família a fazer seu bolo de aniversário com a capa do disco dos Menudos, isto não foi registrado e foi um dos últimos momentos ao lado de Dona Lola.
O último show do Robby no Menudos aconteceu no final de abril de 1987, Rita não pode ir, pois sua mãe faleceu no mesmo dia 29/04/1987, foi à despedida para ambos. Os sentimentos eram confusos, sentia-se sozinha e ao mesmo tempo livre, um período difícil no qual não sabia distinguir a raiva pelas brigas com a família e a solidão. Era um longo caminho para Rita e seu pai.

À espera de um milagre


Seu Waldemar, 50, apresentava problemas neurológicos e um enorme tumor maligno, viúvo, aposentado, pai de Rita. Aos 26 anos, teimosa, respondona, voluntariosa, era o contrário de sua irmã a filha perfeita, obediente e carinhosa, mais que foi embora de casa, deixando o peso em suas costas. Após ter cuidado da mãe, chegara a hora do pai.
Madrugadas intensas, em corredores sombrios, frio, chuva, calor, não tinha tempo ruim para os dois dormirem no hospital do Câncer de São Paulo aguardando por atendimento médico. Waldemar tinha um tumor no ombro, isto fez que ficasse íntimo do local.
A doença já estava avançada quando foi descoberta toda semana, no mesmo horário, por vários meses, lá estavam aguardando o médico. TIC-TAC, TIC-TAC, TIC-TAC..., o som do relógio no fim do corredor era um tormento, as horas não passavam, e o médico não aparecia, levava-se todo um dia de espera para uma consulta médica com oncologista.
“Meu pai sofria calado, jamais se entregou à doença, não reclamava de nada, as enfermeiras o adoravam, ele era um santo”
Por dois anos esta foi à rotina de Rita, do hospital para casa, da casa para o hospital, e o trabalho em uma clínica médica e a faculdade de rádio e Tv no meio de tudo. Durante o tempo em que seu pai ficava internado ela se distraia no mundo de diversões, isto incluía loucuras como show do Michael Jackson, sem dinheiro nem pra comprar uma bala, show do Jon Bom Jovi e show da Madonna.
Neste tempo sua companhia era uma moça baixa, magra, de cabelos encaracolados, chamada Priscilla. Amigas inseparáveis era a única que entendia sua dor, o quanto era difícil esconder seus sentimentos e demonstrar alegria. “Ela é impulsiva, dedicada, ansiosa e age sem pensar, sentimental, a Rita que conheci não é a mesma de hoje, mas continua meio maluca.”
As internações ficaram constantes, o tumor localizado no ombro havia sido aberto, como um vulcão em erupção, o corpo já não agüentava mais tanto tratamento e não resistia à força violenta da doença maligna. Em uma manhã ensolarada ele faleceu, e agora Rita estava realmente sozinha.

A reviravolta


A morte de Waldemar modificou tudo, aos 36 anos, Rita viu o apartamento no bairro nobre do Tatuapé ser vendido e o dinheiro dividido com a irmã. Para ela sobrou procurar moradia com seus felinos, os únicos companheiros, trancar a faculdade e seus milhares de cursos não concluídos, ela nunca conseguiu parar em nenhum emprego por muito tempo.
De longe o condomínio parece elegante, vários prédios feitos de tijolinhos com uma pracinha e lustres antigos, grandes e redondos como bolas de cristal chamam a atenção para o Portal Dom Bosco. Próximo a entrada uma grande placa estraga o charme avistado “Governo do Estado de São Paulo CDHU” dizia, colada à parede. “Foi o que senti quando comprei meu apartamento no bairro de Itaquera, para quem morou a vida toda no Tatuapé o contraste é muito grande”.
Subimos às escadas rumo ao apartamento 33, no 3º andar do bloco 2B. Abrindo-se a porta uma surpresa: Rita morava com vários felinos e estavam todos à nossa espera, um de cada cor, um mais fofo que o outro. Cindy, Ashley, Marie Kate, Nicole, Brenda e Nathan o macho, cuidam da casa enquanto ela trabalha, os gatos são seus sócios.
Na sala pouca decoração, já que o lugar mais disputado da residência é o quarto. Cômodo com vista para a entrada do condomínio, uma cama de casal disputadíssima, e as preciosidades de Rita: o DVD e o computador. Completamente viciada em internet, sua vida social acontece por meio de sites de conversação como Orkut e MSN, assistir filmes também faz parte de sua vida, coleciona diversos romances e filmes infantis.
“A bagunça é incomparável, é a característica da casa, se não tiver pêlos e desordem não é o nosso lar”.
Complicado mesmo parece ser como alimentar todas essas boquinhas e manter suas despesas domésticas.

O hospício


Trim., Trim., Trim.,...
São 04h00min da manhã, é hora de levantar, primeiro passo em direção ao computador, a internet é conectada. Ela caminha em direção ao chuveiro, se arruma, toma café, enquanto verifica seus e-mails e envia mensagens para amigos virtuais.
05h30min diz até mais aos felinos e fecha a porta. O mesmo caminho para chegar à estação de trem é realizado todos os dias, leitora nata leva embaixo dos braços sempre um livro espírita para decifrar seu destino. Enquanto a multidão alvoroçada se expreme para entrar no vagão, lá está Rita, viajando nos livros.
---Estação Luz acesso a linha azul do metrô, diz o maquinista.
Rita desembarca a caminho do metrô, segue para a estação Consolação no meio da muvulca. ---Com licença, licença, ai, ai. Sente-se uma sardinha em lata.
Destino final Avenida Paulista, prédio da empresa Contax (o hospício), são 08h00min da manhã, sentada em uma mesa o tormento começa:
---- Pimmmmmmmmmmm..
----Alô!
----Bom Dia, por favor, gostaria de falar com Sr. Eduardo Montez.
----Quem gostaria?
----É a Rita do Ponto Frio (argh)
---Ah, ele não está quer deixar recado?
---Por favor, tem algum outro telefone que possa falar com ele agora?
---É cobrança, não tem não!
----Com quem eu falo?
----Tum, Tum, Tum... Quando não ouvia palavras de baixo calão ou fazia amizades com os clientes seu dia era assim.
O intervalo de 20 minutos para lanche é um refresco! As ligações não param, o computador direciona para os atendentes uma ligação atrás da outra, não tem tempo de respirar, ou conversar com o amigo do lado, mais ela sempre arruma uma brecha.
“Não gosto de cobrar as pessoas, me sinto uma telechata, se as pessoas não pagam é porque não tem dinheiro, é tão simples! Quando tiverem vão pagar e pronto!”
Quando recebe as ligações não sabe o que vem pela frente, e se consegue manter uma conversa amigável é tudo de bom, conselhos é o que mais faz durante o dia. São 02h20minhs da tarde, hora de voltar, enfrentar novamente o transporte público e entrar na internet, os felinos precisam de sua companhia.
Novamente lendo seu livro em uma nova tentativa de descobrir sua verdadeira vocação neste mundo e traduzir o significado de tanto sofrimento.

A promessa


Problemas graves no rim, diabetes, pressão alta e problemas no coração, eram motivos suficientes para Dona Lola jamais engravidar. Chegou a abortar cinco bebês e não tinha mais esperança. Adotou então sua sobrinha, uma menina de 07 anos, juntas as duas freqüentavam orfanatos e programas de televisão em busca de um lindo bebê.
Já com 38 anos, Lola descobre outra gravidez, mesmo sendo arriscado, decide ir até o fim. Tudo corria bem até levar um tombo de barriga no chão, internada até o término da gestação ela faz uma promessa para Santa Rita de Cássia, caso o bebê nascesse saudável se chamaria Rita.
Faltando vinte dias para nove meses de gestação, nasce um lindo bebê com 4, 800 kg, 52 cm, era Rita de Cássia Sanches Teixeira, improvável até para nascer, nem imaginava o destino que a esperava.